3.3.07

De Príncipes, Bruxos e Falastrões

Estou de volta. Após dez dias pela Europa, onde estive fazendo ampla pesquisa sobre assuntos de interesse da província, volto ao meu posto. Desembarquei hoje no Aeroporto de Arealva, e viajei para a velha província. Que maravilha!

Leio os jornais e, surpresa, nada mudou. Tudo como dantes no quartel de Abrantes. Bem, mas disso, falaremos outra hora.

Foi uma longa viagem, de São Paulo a Roma sem escalas, seguidos de 230 quilômetros num ônibus sacolejante e lá estava eu na primeira parada.


Florença, berço do Renascimento italiano, terra de gênios. Lá, nasceram da Vinci, Michelangelo, Dante Alighieri, Filippo Brunelleschi e também, aquele cujo estudo justificava minha visita, Niccolò Machiavelli.

Às margens do Arno, observando ao fundo os Pirineus e maravilhado com as belezas daquela cidade que data do século I a.C. e foi edificada junto a ruínas etruscad, inicio minhas atividades.

Primeiro, uma visita à Biblioteca Nacional Central, acompanhado de Carla, jovem descendente e conhecedora das obras de Machiavelli, onde pude ter acesso a uma das primeiras edições de “Il príncipe”.

Após um café num dos inúmeros bares da Praça da Repubblica, seguimos para a propriedade de San Casciano, perto de Florença. Ali, Carla e seus pais, herdeiros da bela quinta onde Machiavelli ficou exilado entre 1512 e 1519, falam-me sobre “L'arte della guerra” e os “Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio”, obras indispensáveis à correta interpretação do pensamento que percorre as páginas de “Il príncipe”.

Foi assim, inspirado pela história daquela terra que no passado esteve sob domínio de ostrogodos, bizantinos e lombardos, e transportando-me para a nossa terrinha, que pude entender o uso da astúcia inescrupulosa como método de governo, compreender o porquê do uso de todos os meios, inclusive a mentira, a fraude e a violência para conquistar o poder absoluto.

Agora eu começava a entender as razões da incompetência!

Mas a viagem não parou por aí. Despedi-me de Carla e sacudindo fui novamente até Roma, onde um penoso vôo da Aeroflot levou-me a São Petersburgo, a velha Leningrado. Esperavam-me no aeroporto Mikhail e Lena, velhos amigos dos idos de 68 na União Cultural Brasil-URSS, quando eu ainda sonhava em ir estudar na Universidade de Amizade dos Povos Patrice Lumumba.

Apesar do frio intenso naquela que é considerada uma das cidades mais belas da Europa, o calor da amizade e algumas doses da boa vodca elevaram o ânimo. Uma visita ao antigo palácio de inverno de Pedro o Grande, onde hoje está localizada a sede principal do Museu Ermitage foi pouco esclarecedora.

Ali encontrei publicações sobre a vida de Grigori Efimovitch Novikn. Conhecem-no? E se o chamássemos de Rasputin (o Depravado)? Agora já sabem, não é mesmo?

Pois bem, consultas aqui e acolá, permitiram-me descobrir que o siberiano Rasputin auto intitulou-se monge, sem nunca ter sido ordenado. Graças à sua fama de bruxo, numa época em que amplo segmento da aristocracia local propendia ao ocultismo foi calorosamente recebido no seio da mesma, até conseguir tornar-se o favorito da czarina Alexandra Feodorovna, esposa de Nicolau II.

Porém, os temas que me interessavam, os estudos sobre poder e jogos de influência na corte imperial, não consegui encontrar. Decepcionado, acabei afogando meu desencanto pelo tempo perdido numa garrafa de Stolichnaya e nos braços da bela Ivana, recepcionista do Ermitage.

Na manhã seguinte, já reparado dos vapores etílicos, fui fazer, por sugestão de Ivana, um passeio turístico de barco pelo gelado rio Neva em cujas águas Rasputin morreu por afogamento na noite de 29 de dezembro de 1916. O capitão do barco, Feodor, ex-oficial da marinha soviética, que chegou a trabalhar como adido militar no Brasil, recebeu-me de braços abertos e, em português, acompanhados de mais algumas doses da velha Stoli, pode esclarecer-me de forma mais precisa e concisa sobre os tão propalados poderes do “bruxo”.

Na longa conversa, acalantado já pela segunda garrafa, Feodor falou-me sobre os poderes da comunicação, discorrendo longamente sobre o papel que o Pravda desempenhou na manutenção do antigo regime comunista. Citou Lenin, Trotsky, Stalin e, o importante, ao fazer comentários sobre esse último lembrou-se das relações do mesmo com Hitler antes da virada de mesa que acabou por levar a União Soviética a entrar em guerra contra o Eixo. Naqueles tempos disse Feodor, citando uma passagem de um dos escritos de Trotsky ao tratar da programação das rádios locais: “Beethoven era um gran consuelo, pero habia poca musica. Generalmente nos veiamos obligados a escuchar Hitler; Goebels o a algun de los invariablemente ignorantes e grosseros oradores de Moscú”.

Essa citação alertou-me para um detalhe importante: a forma que os príncipes e os bruxos se utilizariam para “falar” com as massas, e foi por sugestão de Feodor que no dia seguinte comprei a passagem de retorno ao Brasil com escala em Berlim. Eu precisava saber mais sobre Goebbels.

Frio em Berlim, sozinho e com os euros terminando pouco pude fazer. Uma série de visitas rápidas a locais como a Universidade de Berlim, a Academia Alemã de Ciências, a Biblioteca Nacional, ao Altar de Pérgamo, a igreja de Santa Maria e a porta de Brandemburgo, permitiram-me descobrir que Paul Joseph Goebbels, nascido em 29 de outubro de 1897 na cidade de Rheydt, havia estudado literatura e filosofia nas universidades de Bonn e Heidelberg. Foi ele o precursor da propaganda de massa e tornou-se um expert na mobilização de todos os meios de comunicação para impor ao povo alemão uma única idéia política e social. Através da imprensa, transformou cidadãos honestos em ladrões e corruptos em “anjos”. Dei-me por satisfeito. Era hora de voltar.

Agora estou aqui no calor da terrinha tentando analisar os resultados da viagem. Concluo, portanto, que temos aqui na província vários arremedos de Príncipes, na medida em que usam os métodos prescritos por Machiavelli não para conquistar a meta principal estabelecida em “Il príncipe”, que é a felicidade do seu povo, mas apenas para garantir a sua satisfação pessoal. Bruxos, só fantasiados para o halloween, que deveriam utilizar-se de suas vassouras para limpar um pouco a cidade. Já os falastrões; esses aprenderam à lição. Tentam a todo o custo, apesar do descontentamento e revolta da população, enganar a si mesmos, travestindo o inferno de paraíso.

É uma pena! Vai demorar muito para aprendermos a lição.