Enquanto
se discute a eficiência da Comissão da Verdade proposta pelo governo, a cidade
do interior baiano torna-se pioneira na exumação da história sobre seus
mártires.
A
celebração dos 40 anos da morte de Carlos Lamarca e do seu companheiro Zequinha
Barreto mobilizou a população local, cidades vizinhas e contou com a presença
de autoridades do cenário político brasileiro.
O evento acontece há pouco mais de 10 anos
por iniciativa de Dom Luiz Flávio Cappio. Ganhou força a partir de 2009 com a
participação de políticos que iniciaram uma mobilização pela mudança
sócio-cultural, transformando o dia 17 de setembro em feriado municipal.
Desde então, as atividades giraram em torno
de reconstituir os fatos, busca de novos depoimentos. Um convite àqueles que,
por medo, jamais puderam falar do que testemunharam.
A iniciativa propõe não só o resgate, mas
uma mudança no tratamento dos que lutaram contra a ditadura militar no Brasil.
O secretario estadual de Cultura da Bahia, Antonio Albino Canelas Rubim,
destacou que Brotas de Macaúbas, tendo acesso a outra versão da história, está
estabelecendo um processo de mudança cultural, ao incluir uma nova denominação
a Zequinha e Lamarca, que antes eram chamados de terroristas.
Para muitos ainda são, mas o objetivo
principal é simplesmente esclarecer à população de onde veio o terror. Nilmário
Miranda, ministro dos Direitos Humanos durante o governo Lula, contou como foi
quando esteve frente a frente com o delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos
mais temidos torturadores. Destacou-se nos trabalhos do Departamento de Ordem
Política e Social (Dops) em São Paulo chegando à chefia do “Esquadrão da
Morte”.
O Dops tinha a função de reprimir quaisquer
manifestações populares e utilizava-se da tortura para arrancar informações que
levassem a outros participantes. “Você sabe quem eu sou? (fazia a mesma
pergunta a vários presos) fui eu quem matou o Bacuri (Eduardo Leite), fui eu
quem matou o (Carlos) Marighella. Se você não contar, vai conhecer a sucursal
do inferno”, relatou Nilmário.
Os militares, com a liderança do major Nilton
Cerqueira e a participação do delegado Fleury, enviaram tropas para realização
da Operação Pajussara. Chegaram ao povoado de Buriti Cristalino no dia 28 de
agosto de 1971. Olderico Barreto, irmão de Zequinha, também compartilhou alguns
de seus momentos de tortura, conheceu ali sua resistência para não abrir
nenhuma informação. Perguntavam ininterruptamente onde estava o Lamarca.
O barulho dos helicópteros e a presença das
metralhadoras ficaram na lembrança da população. A maioria tem medo até hoje.
Quanto a Zequinha, não entendiam porque aquele rapaz de voz serena, que se
juntava com amigos para tocar violão, acabou sendo caçado feito bicho.
O evento mobilizou alunos a escreverem
redações. Muitos diziam nunca terem ouvido falar do assunto. Partiram para
pesquisa e houve 300 inscritos no concurso de redação. Alunos do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio foram premiados. A iniciativa soma entre os
instrumentos do convite ao interesse por mais detalhes da história.
A Pintada, município de Ipupiara, vizinho
de Brotas, foi o local do assassinato de Lamarca e Zequinha no dia 17 de
setembro de 1971. A área foi adquirida por uma cooperativa fundada por Olderico
e doada para construção do Memorial dos Mártires. O trabalho foi iniciativa do
bispo de Barra (BA), Luiz Flávio Cappio.
Dom Luiz utilizou recursos próprios para
construção do Memorial. Ainda falta o acabamento e ele pediu publicamente ajuda
dos políticos presentes durante o evento. A cada família das vítimas será
requisitada a exumação dos corpos de Lamarca, Zequinha, Otoniel Barreto (irmão
de Zequinha) e Luiz Antônio Santa Bárbara.
A
Comissão da Verdade
Na composição do governo brasileiro existem
várias pessoas que sabem exatamente como eram os chamados “anos de chumbo”. A
Comissão da Verdade foi colocada em pauta, mas falta-lhe algum respaldo, pois
representantes de associações de ex-presos e perseguidos políticos, de grupos
de familiares de vítimas da ditadura militar e outras entidades exigem
modificações no texto que foi aprovado.
Não há como ignorar o poder do
conservadorismo. As contradições no processo de constituição da democracia
pós-64 aparecem desde a Lei da Anistia. Quanto ao texto da Comissão,
manifestantes questionam cláusulas as quais determinam que dados e informações
apurados pela Comissão continuem com acesso restrito. Além disso, exigem que o
relatório final apure violações e crimes cometidos. “É preciso da memória para
se fazer justiça social”, disse Nilmário.