5.3.13

Veja o manifesto enviado por teólogos da libertação ao pré-conclave

via Carta Maior


Documento assinado por teólogos como Leonardo Boff e o bispo d. Pedro Casaldáliga começou a ser elaborado em outubro do ano passado, simultaneamente na Europa, América Latina, EUA e Canadá. Texto diz que “Cúria Romana necessita de uma reforma mais radical baseada nas instruções e na visão do Vaticano II”. Por Dermi Azevedo



Já chegam a duas mil as adesões de teólogos católicos de todo o mundo ao documento publicado por ocasião dos 50 anos do Concílio Vaticano II e cuja redação final está sendo encaminhada aos 115 cardeais que, a partir de segunda-feira (4), começam a escolher o sucessor do papa Bento XVI. 

O manifesto começou a ser elaborado em outubro do ano passado, simultaneamente, na Europa, na América Latina, nos Estados Unidos e no Canadá. Entre os seus autores, estão incluídos Leonardo Boff e o bispo d. Pedro Casaldáliga. 

O contexto de sua publicação (concebida em meio a uma grave crise na Igreja, poucos meses antes da renúncia de Bento XVI) reforçou a decisão dos teólogos de enviá-lo aos cardeais eleitores. Esta é a íntegra do documento:

"Muitos ensinamentos do Concílio Vaticano II não foram concretizados ou apenas parcialmente traduzidos na prática. Isto é devido à resistência de alguns ambientes, mas também sobretudo, em certa medida, à não resolvida ambiguidade de alguns documentos conciliares. Uma das principais causas da estagnação moderna depende do não entendimento e dos abusos no exercício da autoridade na nossa Igreja. De modo concreto os seguintes temas exigem uma urgente reformulação.

O papel do Papado necessita de uma clara redefinição baseada nas intenções de Cristo. Como supremo pastor, como elemento unificador e principal testemunha da fé, o Papa contribui de modo essencial para o bem da Igreja Universal. Mas a sua autoridade não deveria obscurecer, diminuir nem suprimir a autentica autoridade que Cristo deu diretamente a todos os membros do Povo de Deus.

Os bispos são vigários de Cristo e não vigários do Papa. Eles possuem a responsabilidade direta sobre o povo de suas dioceses e uma responsabilidade compartilhada com os outros bispos e com o Papa, do âmbito da comunidade universal da fé.

O Sínodo central dos bispos deveria assumir um papel mais decisivo no planejamento, na orientação e no crescimento da fé em nosso mundo tão complexo.

Concilio Vaticano recomendou a colegialidade e a corresponsabilidade em todos os níveis. Isto não foi transformado em ação. Os vários organismos presbiterais e conselhos pastorais previstos pelo Concilio, deveriam envolver os fiéis de modo mais direto nas decisões relativas à doutrina ao exercício do ministério pastoral e à evangelização no âmbito da sociedade secular.

O abuso de preencher os postos de guias da Igreja apenas com candidatos com uma determinada mentalidade é algo que deveria ser eliminado. Em vez disto, deveriam ser formuladas e monitoradas novas normas assegurando que as eleições para estas tarefas sejam conduzidas de modo correto, transparente e o mais democrático possível. 

A Cúria Romana necessita de uma reforma mais radical baseada nas instruções e na visão do Vaticano II. A Cúria deveria limitar-se aos seus úteis papéis administrativos e executivos.

A Congregação para a Doutrina da fé deveria ser ajudada por comissões internacionais de peritos escolhidos independentemente em função de sua competência profissional. Essas não são todas as mudanças necessárias. Devemos considerar ainda que a implementação dessas revisões estruturais exigem uma elaboração detalhada e relacionada com as possibilidades e com as limitações das circunstancias presentes e futuras. Destacamos porém que as reformas sintetizadas a cima são urgentes e a sua concretização deveria iniciar-se imediatamente.

O exercício da autoridade na nossa Igreja deveria seguir o padrão de abertura, responsabilidade e democracia encontrados na sociedade moderna. A liderança deveria ser correta e confiável, inspirada na humildade e no serviço, com uma transparente solicitude para com o povo, em vez de se preocupar com as normas e a disciplina; anunciar Jesus Cristo que liberta; ouvir o espirito de Cristo que fala e age por meio de todos e de cada um".

As atualizações do modelo cubano: abertura ao capitalismo ou reforma socialista?

via SUL21


Foto: Bárbara Ribeiro
Por Alexandre Haubrich
Chamadas de atualizações em Cuba e deabertura por opositores estrangeiros, as mudanças econômicas e políticas começam a transformar sociedade cubana. São dezenas de modificações que começaram ainda na década de 1990, provocadas pela queda da União Soviética – o que levou a uma enorme crise econômica, chamada de período especial, que durou até a metade daquela década. Intensamente debatidas pela população, as mudanças seguem em andamento e impõem uma interrogação: Cuba está voltando ao capitalismo, adaptando o socialismo ou dando um passo atrás para, mais tarde, dar outros dois à frente?
Gladys Hernández, investigadora do Centro de Investigações da Economia Mundial, explica que algumas medidas foram criadas recentemente, enquanto outras são aprofundamentos das alterações dos anos 1990. São objetivos e caminhos estabelecidos até 2015. Ela conta que o debate anterior foi intenso: “As mudanças se fazem depois de uma grande discussão popular, onde se apresentaram sugestões, que começou da base, pelas organizações de massa, desde as empresas, os centros de trabalho”. As ideias básicas das medidas mais recentes partiram do 6º Congresso do Partido Comunista Cubano. As diretrizes básicas foram apresentadas à população em novembro de 2010. Entre dezembro de 2010 e fevereiro de 2011 foram debatidas nas instâncias populares em 163.079 reuniões que envolveram 8.913.838 cubanos – a população total é de 11,2 milhões. Foram mais de 3 milhões de intervenções, agrupadas em 781 mil opiniões, das quais 395 mil foram aceitas e incluídas na reformulação das Diretrizes. As rejeições, alterações de conteúdo ou de redação e novas ideias que saíram desses debates foram discutidas na sequência pelo Congresso do PCC e confirmadas, enfim, pela Assembleia Nacional.
Foto: Bárbara Ribeiro
Entre reformas políticas, migratórias e de outros tipos, a maioria das mudanças visa combater os problemas econômicos que assolam Cuba desde a quebra da União Soviética. Como um país com passado colonial, inserido em uma região historicamente subdesenvolvida, e maltratado pelo bloqueio estadunidense que encarece qualquer tipo de comércio exterior, Cuba enfrenta problemas como salários baixos e preços altos. Implantada em 1994, a dupla moeda é hoje, segundo alguns cubanos, um problema maior que o bloqueio, pois faz os preços dispararem. A segunda moeda, o CUC, é emparelhada com o dólar, e tinha por objetivo fazer com que o turismo – um dos principais motores da economia cubana desde os anos 1990 – trouxesse mais divisas ao país. Foi criada em 1994 e circulou juntamente com o dólar até 2004, quando tornou-se a única moeda de turismo. O problema é que se tornou demasiadamente forte em relação ao Peso Cubano – um para 24 –, e os preços vincularam-se ao CUC, encarecendo a vida da população do país. Claribel, professora aposentada, reclama: “Os preços são altos, está tudo em CUC, que é como o dólar, e cada dólar custa 24 pesos. Fica tudo muito caro”, diz.
O fim da dupla moeda já está definido, mas ninguém sabe até agora como sair do labirinto em que se transformou. Um dirigente da província de Artemisa da Central de Trabalhadores de Cuba (CTC), diz que a dupla moeda foi “uma das medidas mais duras que já tivemos”, e completa: “foi uma necessidade para a sobrevivência do processo, agora a extinção da dupla moeda já está decidida, mas não se pode fazer de uma hora para a outra”.
Crescimento no setor privado alivia contas do Estado
Na tentativa de elevar os salários, o governo cubano – em consonância com as demandas da sociedade – está abrindo crescentes espaços para a iniciativa privada. Para isso, realizou no ano passado uma demissão em massa: 400 mil trabalhadores saíram de empresas estatais rumo ao setor privado. Segundo Emir, ninguém está ficando desamparado: “não é no modelo capitalista que as pessoas estão sendo dispensadas das empresas estatais, há uma grande preocupação em dar amparo e recolocar esses trabalhadores”, diz.
Foto: Bárbara Ribeiro
Abriu-se mão da exclusividade estatal sobre diversos serviços, trabalhadores estatais foram dispensados e estimulados a abrirem negócios próprios – restaurantes, marcenarias, oficinas de automóveis, etc. Os chamados cuentapropistas, trabalhadores por conta própria, não partiram sem apoio para a aventura do empreendimento: recebem subsídios e têm um período de experiência em que não pagam a maior parte dos impostos. Dona Sheila, aposentada que vive em Playa Girón, conta que seu filho trabalhava para o governo, e recebeu 2 anos para tentar fazer dar certo um restaurante: “Se não der certo, pode voltar”, esclarece.
Ao contrário do que se costuma imaginar, atividades por conta própria são permitidas em Cuba desde os anos 1990, e a lista das atividades permitidas segue em constante progressão: hoje são 181. O cuentapropista, se contratar até cinco trabalhadores, não paga o imposto por uso da força de trabalho, obrigatório a empresas de médio e grande porte. Ao contrário dos trabalhadores estatais, os cuentapropistas devem pagar uma série de impostos para não deixarem de trabalhar para a sociedade. Segundo Pablo, que trabalha como mecânico de gás de cozinha, “na hora da contratação o contratador e o contratado se põe de acordo sobre salário e horário de trabalho”. Ele afirma que “aqui não há patrão”, e garante que a convivência entre empregadores e empregados é amigável e solidária. “Aqui não há patrão ou capataz ou empresário, é como um amigo que trabalha comigo”, diz. Mesmo assim o governo e a CTC estão trabalhando na construção de um código de trabalho que dê maior proteção aos trabalhadores.
Foto: Alexandre Haubrich
Muitos trabalhadores querem ir para o setor privado porque há maior ganho. Os salários médios giram em torno de 300, 400 Pesos, algo que um motorista de táxi, por exemplo, pode ganhar em um dia. Mas, de acordo com Pablo, não há tentativa de ser melhor que os demais, apenas de incrementar a renda: “Se faz o trabalho por conta própria não para estar acima da sociedade, mas para contribuir com a sociedade e andar junto com ela”, garante ele. Há ainda pessoas trabalhando no setor estatal em jornadas que possibilitam trabalhar também como cuentapropistas. É o caso de Ernesto, que trabalha em dias alternados no Acampamento Internacional Júlio Antonio Mella, que recebe delegações em visita a Cuba, e como o que chamaríamos no Brasil de “quebra-galho” – faz serviços gerais de arrumação elétrica, mecânica, etc.
O questionamento sobre uma possível volta do capitalismo a partir dessas experiências está na cabeça de todos. Letícia, que aluga quartos para turistas em Havana, mostra preocupação: “Sim, são capitalistas, mas em um sistema socialista os chamamos de cuentapropistas. Há risco, mas não se abre mão das conquistas da revolução”, garante. A economista Gladys Hernández discorda: “Não são capitalistas, são trabalhadores privados”, opina. Mas admite: “Esse processo (de criação de empresas privadas) é lamentável, do ponto de vista dos clássicos, mas é uma necessidade”.
Foto: Bernardo Ribeiro
Empresas estrangeiras cada vez mais presentes
Um dos maiores portos do continente americano está em construção em Mariel, a 50 quilômetros de Havana. A principal participante da construção do novo porto, um investimento de mais de 900 milhões de dólares, é a brasileira Odebrecht, acusada de corrupção em alguns de seus empreendimentos no exterior. A preocupação existe, mas Emir, dirigente da CTC, garante que em Cuba a situação é diferente: “Cuba tem investimentos estrangeiros há muito tempo, mas as empresas não impõem seu regime de trabalho. Quem faz isso é o governo, o movimento sindical e a UJC (União de Jovens Comunistas)”, diz.
Em casos de investimentos externos 51% do projeto sempre mantém-se nas mãos do governo. Em relação aos salários, o Estado cubano recebe das empresas o que estas pagam a seus trabalhadores em outros países, recolhe uma parte para investimentos em desenvolvimento social, e faz o pagamento dos trabalhadores proporcionalmente aos salários cubanos. Tudo isso para não haver desigualdade e consequente migração em massa para as multinacionais. Diaris, funcionária do Instituto Cubano de Amizade com os Povos, ilustra as garantias a que se reserva o Estado cubano quando constrói parcerias com empresas estrangeiras: “Há pouco tempo teve o caso de um empresário que queria abrir um hotel e queria contratar apenas jovens bonitas e brancas. Aqui já avançamos bastante na questão racial, houve um debate grande com a CTC, e no fim o empresário teve que voltar ao seu país, porque aqui em Cuba não deixamos que nossas conquistas sociais sejam desrespeitadas”.
Foto: Bernardo Ribeiro
Agricultura também passa por transformações
O setor agrícola já foi o mais importante em Cuba, inclusive nos primeiros anos da Revolução. Por conta das dificuldades à importação causadas pelo bloqueio e do esforço nacional por fortalecer a indústria, porém, acabou relegado a segundo plano A industrialização levou um número crescentes de pessoas às cidades, e deixou as terras vazias. Estima-se que apenas 30% das terras agriculturáveis no país estão ocupadas. Desde 2009 essa realidade começou a ser atacada.
Segundo Gladys Hernández, as terras ociosas estão diminuindo com o esforço do governo para levar de volta parte da população ao setor rural. Há três anos, conta, o país passou a entregar essas terras em usufruto a todos que queiram cultivá-las. “A maior parte das terras segue sendo estatal, entregue em forma de usufruto. Se a pessoa a cultiva, paga um imposto e estabelece um contrato com o governo a partir do qual entrega uma parte contratada ao Estado e o resto da produção pode comerciar livremente nos mercados”, explica. Também está em construção a possibilidade crescente de ofertar créditos e subsídios ao setor agrícola, aos produtores não estatais, tanto para trabalhar as terras quanto para a aquisição de maquinário.
Também estão em marcha mudanças que atingem de forma mais direta cada cidadão cubano. A possibilidade de venda de carros e casas, por exemplo, busca enfrentar o problema de desuso de alguns automóveis e moradias e ampliar os espaços de condução da economia doméstica pela própria população. Gladys explica que também a indústria sofrerá modificações: “Outra das grandes transformações é a que tem lugar no setor industrial. Nesse momento nós ainda temos sérios problemas com a capacidade industrial e sério problemas de empresas com tecnologias muito obsoletas”, diz.
Foto: Bernardo Ribeiro
Fidel, categórico
Repetindo uma frase muitas vezes referida pelo presidente Raúl Castro, os cubanos falam sempre em “mudança sem pressa, mas sem parar”. É assim que seguirão sempre as atualizações – ou o processo de abertura, segundo alguns. Faustino Abreu, conhecido como Nine, há 34 anos presidente de um Comitê de Defesa da Revolução (CDR), entende que “as atualizações que estão sendo feitas são necessárias nesse momento”. E explica: “A economia está mudando no mundo inteiro. Temos que estar firmes, porque o imperialismo está muito perto, tentando evitar a revolução”.
Depois de muito tempo sem aparecer em vídeo, o ex-presidente e maior líder da Revolução Cubana Fidel Castro saiu de casa para votar nas eleições gerais de fevereiro de 2013. Em frente à urna onde depositou seus votos, Fidel concedeu entrevista a veículos locais. Falando sobre a profundidade das atualizações, foi categórico: “A maior mudança foi a Revolução”.