Texto escrito por Jorge Amado, amigo de Marighella e seu companheiro na bancada comunista da Assembléia Nacional Constituinte e na Câmara dos Deputados entre 1946 e 1948.
Lido por Fernando Santana em 10 de dezembro de 1979 – Dia Universal dos Direitos do Homem – por ocasião do sepultamento dos restos mortais de Marighella no cemitério das Quintas, em Salvador.
“Chegas de longa caminhada a este teu
chão natal, território de tua infância e adolescência.
Vens de um silêncio de dez anos, de um tempo vazio, quando houve espaço e eco
apenas para a mentira e a negação.
Quando te vestiram de lama e sangue, quando pretenderam te marcar com o estigma
da infâmia, quando pretenderam enterrar na maldição tua memória e teu nome.
Para que jamais se soubesse da verdade de tua gesta, da grandeza de tua saga,
do humanismo que comandou tua vida e tua morte.
Trancaram as portas e as janelas para que ninguém percebesse tua sombra
erguida, nem ouvisse tua voz, teu grito de protesto.
Para que não frutificasses, não pudesses ser alento e esperança.
Escreveram a história pelo avesso para que ninguém soubesse que eras pão e não
erva daninha, que eras vozeiro de reivindicações e não pragas, que eras poeta
do povo e não algoz.
Cobriram-te de infâmia para que tua presença se apagasse para sempre, nunca
mais fosse lembrada, desfeita em lama.
Esquartejaram tua memória, salgaram teu nome em praça pública, foste proibido
em teu país e entre os teus.
Dez anos inteiros, ferozes, de calúnia e ódio, na tentativa de extinguir tua
verdade, para que ninguém pudesse te enxergar.
De nada adiantou tanta vileza, não passou de tentativa vã e malograda, pois
aqui estás inteiro e límpido.
Atravessaste a interminável noite da mentira e do medo, da desrazão e da
infâmia, e desembarcas na aurora da Bahia, trazido por mãos de amor e de
amizade.
Aqui estás e todos te reconhecem como foste e serás para sempre: incorruptível
brasileiro, um moço baiano de riso jovial e coração ardente.
Aqui estás entre teus amigos e entre os que são tua carne e teu sangue. Vieram
te receber e conversar contigo, ouvir tua voz e sentir teu coração.
Tua luta foi contra a fome e a miséria, sonhavas com a fartura e a alegria,
amavas a vida, o ser humano, a liberdade.
Aqui estás, plantado em teu chão e frutificarás. Não tiveste tempo para ter
medo, venceste o tempo do medo e do desespero.
Antonio de Castro Alves, teu irmão de sonho, te adivinhou num verso: “era o
porvir em frente do passado”.
Estás em tua casa, Carlos; tua memória restaurada, límpida e pura, feita de
verdade e amor.
Aqui chegaste pela mão do povo. Mais vivo que nunca, Carlos”.
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