Carlos Marighella
Algumas Questões Sobre as Guerrilhas no Brasil
Outubro de 1967
Escrito em: Havana, Cuba, 1967.
Fonte: Jornal do Brasil, edição de 05 de setembro de 1968.
Fonte: Jornal do Brasil, edição de 05 de setembro de 1968.
Transcrição e HTML por: Pablo de Freitas Lopes para Marxists Internet Archive.
Com este trabalho queremos homenagear a memória do Comandante Che Guevara, cujo exemplo de Guerrilheiro Heróico perdurará pelos tempos e frutificará em toda a América Latina.
Carlos Marighella
Carlos Marighella
A luta de guerrilhas, através da história, sempre foi um instrumento de libertação dos povos e a experiência provou, inúmeras vezes, quão importante é e que valor tem na mão dos explorados.
Além desta inapreciável importância, a guerrilha assumiu, nos dias de hoje, uma nova dimensão, ao lhe ser atribuído o papel estratégico decisivo na libertação dos povos. Quer dizer, a guerrilha incorporou-se definitivamente à vida dos povos como a própria estratégia de sua libertação, o caminho fundamental, e mesmo único, para expulsar o imperialismo e destruir as oligarquias, levando as massas ao poder.
Tal formulação do problema, como seja o do papel estratégico da guerrilha, não surgiu casualmente e sim porque a revolução cubana o introduziu no cenário da história.
Até então a experiência das revoluções de caráter marxista-leninista assentara suas bases na transformação da guerra antiimperialista mundial em guerra civil pela tomada do poder. Esta situação, com suas indispensáveis variantes, assinalou o desenvolvimento da história dos povos pelo menos durante quatro décadas, a partir do triunfo da Grande Revolução Socialista de Outubro.
A revolução cubana, como parte integrante da revolução socialista mundial, trouxe ao marxismo-leninismo um novo conceito: o da possibilidade de conquistar o poder através da guerra de guerrilhas, e expulsar o imperialismo quando não há guerra mundial e não se pode, portanto, transformá-la em guerra civil.
Esta contribuição teórica e prática da revolução cubana ao marxismo-leninismo elevou a um plano inteiramente novo a guerrilha, colocando-a na ordem-do-dia por toda parte, em especial na América Latina.
No Brasil este assunto é da maior atualidade e, por isso, apesar da vigilância e da repressão da ditadura militar que massacra nosso povo, em todo o país aumenta o interesse sobre a guerrilha e são discutidos os temas mais importantes.
Que há de fundamental e ao mesmo tempo de mais elementar nas guerrilhas no Brasil? Quais os problemas que nos chamam a atenção?
É uma visão geral desses problemas o que pretendemos apresentar a seguir, tomando como apoio a incipiente experiência brasileira sobre guerrilhas.
Aniquilar as Forças do Inimigo: Tarefa Fundamental da Guerrilha
O Brasil é um país de quase 90 milhões de habitantes, dispondo de uma imensa extensão territorial. Em área contínua, no mundo, só é superado pela União Soviética, a China e o Canadá.
As condições histórico-sociais e geográficas favorecem no Brasil – tal como aconteceu com a URSS e a China – o desencadeamento da revolução e sua vitória.
Em nossa maneira de pensar, a revolução no Brasil é a guerra revolucionária, em cujo centro se encontra a luta de guerrilhas.
A tarefa estratégica fundamental da guerrilha brasileira é a libertação do Brasil, com a expulsão do imperialismo dos Estados Unidos. Falando em termos de guerra, essa tarefa estratégica fundamental consiste em aniquilar as forças do inimigo, compreendendo-se como tal não só as forças militares do imperialismo dos Estados Unidos, como as forças militares convencionais dos "gorilas" brasileiros.
"Aniquilar" quer dizer tirar ao inimigo a capacidade de agir militarmente, destruindo e capturando suas armas e impossibilitando-o de prosseguir na guerra de manobras.
Quando se trata das forças militares dos "gorilas" brasileiros, "aniquilar" também quer dizer desgastá-las, esgotá-las, desmoralizá-las e separá-las, no final, das forças militares dos Estados Unidos, deixando os imperialistas sozinhos e as reacionárias forças armadas nacionais completamente destruídas. Sempre que os Estados Unidos estiverem acompanhados de forças militares "gorilas" de países latino-americanos, é necessário "aniquilar" o inimigo um a um e deixar os imperialistas combatendo isolados. Será este sempre o sentido em que empregamos o termo "aniquilar".
A Estratégia Global da Guerrilha
O imperialismo norte-americano adota uma estratégia global contra os povos e aplicará tal estratégia contra a guerrilha brasileira, que será combatida pelas forças militares dos Estados Unidos e seus títeres latino-americanos.
Responderemos com a mesma moeda, combatendo o imperialismo e sua estratégia global com uma estratégia global latino-americana.
A estratégia global da guerrilha, no Brasil, baseia-se no internacionalismo proletário dos revolucionários brasileiros e no seu elevado espírito de solidariedade aos povos que lutam de armas na mão.
Em conseqüência desse internacionalismo, um dos objetivos da estratégia global de nossa guerrilha é lutar para tornar efetiva a palavra de ordem de "criar dois, três... muitos Vietnãs".
Outro objetivo de nossa estratégia global é concretizar a solidariedade a Cuba através da luta armada em nosso país. A revolução cubana e Cuba socialista são vanguardas da revolução latino-americana, constituem nossos aliados fundamentais e nosso mais firme ponto-de-apoio em virtude de sua luta contra o imperialismo norte-americano, Para nós, é uma questão de princípio estar a favor da revolução cubana e encaminhar a guerrilha brasileira por uma estratégia global, capaz de criar obstáculos ao bloqueio e à posição agressiva dos Estados Unidos contra Cuba.
Nossa guerrilha visa, fundamentalmente, à conflagração de toda a América Latina. Quer dizer, trata-se de entrelaçar as guerrilhas dos países limítrofes, e de que os revolucionários dos países em luta se apoiem uns nos outros para o aniquilamento dos "gorilas" latino-americanos.
O imperialismo dos Estados Unidos, nosso inimigo comum, deverá ficar reduzido à situação de ver seus aliados destruídos e ter que lutar sem eles contra todos os povos latino-americanos.
A Ofensiva Estratégica como Principal Método de Condução da Guerrilha no Brasil
Nos países que estão em guerra regular com o inimigo e onde ocorrem guerrilhas, estas desempenham um papel de complemento da guerra regular em curso. Temos dois exemplos clássicos desse tipo, na Segunda Guerra Mundial, com os casos da URSS e da China.
Este não é o caso do Brasil atual, onde a guerra de guerrilhas não desempenha o papel de complemento de uma guerra regular, que não existe, não é para se desincumbir de uma missão tática, e sim para cumprir uma função estratégica.
O problema do Brasil é que as forças populares e revolucionárias sofreram uma derrota com o golpe de abril de 1964 e bateram em retirada com pesadas perdas.
Para livrar-se da ditadura e do imperialismo e de suas forças armadas de repressão, as forças populares e revolucionárias têm que sair da defensiva e passar à luta de guerrilhas, enfrentando o inimigo. Nesse caso, o principal método de condução da luta armada é a ofensiva estratégica.
O Brasil é um país de área continental e, por conseguinte, apropriado para a ofensiva estratégica da guerrilha, que precisa de espaço para mover-se.
A guerrilha brasileira tem que estar educada para operações móveis, desde as mais elementares até as mais complexas, pois uma guerra revolucionária prolongada no Brasil será uma guerra de movimento.
A ofensiva estratégica, como método principal de conduzir a luta armada, proporciona o máximo de iniciativa à guerrilha e uma liberdade de movimentos que não é permitida ao inimigo, lançado aos azares de uma perseguição interminável, em áreas rurais tremendamente hostis e desconhecidas.
Além disso, a diversidade de territórios e a variedade de ocupações da numerosa população do país possibilitam à guerrilha dispor de reservas estratégicas tais como: recursos em potencial humano amplamente reforçados pelos contingentes de operários e camponeses, recursos provindos das atividades dos trabalhadores rurais e recursos oriundos do potencial econômico das áreas urbanas.
Contando com tais reservas estratégicas e pugnando por objetivos políticos patrióticos, como a expulsão do imperialismo e a tomada do poder para a total libertação do país e sua radical transformação, a guerrilha brasileira tem na ofensiva estratégica um método invencível de condução da guerra revolucionária.
Evitar o Cerco Estratégico do Inimigo
Devido às condições históricas brasileiras, a concentração da superestrutura das classes dominantes e de suas forças repressivas se verifica na extensa faixa à margem do Atlântico, a região mais bem povoada do Brasil, de maior penetração do capitalismo, servida por modernas ferrovias e rodovias.
Esta é a região do cerco estratégico. Tal cerco ocorre por diversos fatores, dentre os quais destacamos os dois seguintes:
1. o inimigo tem suas tropas acampadas em toda a região litorânea, onde proliferam as relações capitalistas, com inumeráveis facilidades para comunicações e transportes, além dos recursos da técnica moderna;
2. o inimigo domina com suas forças militares o relevo norte-sul, bem como o mais importante sistema orográfico do país, projetado sobre o Atlântico, e erguido dentro da faixa litorânea, entre os maiores centros urbanos brasileiros.
A guerrilha brasileira deve evitar o confronto com a esmagadora superioridade do inimigo na faixa Atlântica, onde este tem suas forças concentradas. Se optar por esta solução, a guerrilha, mesmo que disponha de meios para instalar-se no sistema orográfico existente dentro da área inimiga, estará por sua própria iniciativa dentro das condições de um cerco estratégico.
Ao contrário, lançar a luta guerrilheira na área fora das condições do cerco é iniciar o caminho da ofensiva estratégica contra o inimigo, obrigando-o a deslocar-se da faixa litorânea para perseguir a guerrilha.
Tal situação permitirá o crescimento da ação das forças revolucionárias urbanas, que poderão cortar vias de abastecimento e comunicações, dificultar o transporte de tropas e intensificar o apoio logístico à guerrilha.
Assim, as conseqüências para as forças armadas convencionais serão desastrosas, não só por terem de combater fora do seu "habitat" natural, como porque se verão obrigadas a enfrentar o castigo das forças urbanas revolucionárias na retaguarda.
As Fases Fundamentais da Luta de Guerrilhas
A luta de guerrilhas não se desenvolve jamais de um só jato, isto é, desde quando se inicia até quando termina, com a vitória ou o fracasso. Pensar que isto pudesse ser assim significaria considerar a guerrilha como uma luta improvisada e arbitrária e não como uma luta de classes que se desenvolve segundo as leis da guerra.
Ainda que seja um prolongamento da política, a guerra tem suas leis específicas. Quando estamos em guerra, devemos saber que sua lei básica é a preservação de nossas próprias forças e o aniquilamento das forças do inimigo.
Nenhuma destas duas coisas pode se obter de uma só vez, e é obrigatoriamente necessário passar por um certo número de fases para atingir os objetivos previstos.
É por isso que o desenvolvimento da luta guerrilheira se processa por meio de fases distintas e bem características, interdependentes e relacionadas entre si.
Não se trata de fases determinadas arbitrariamente, mas presididas por leis inerentes à atividade consciente dos homens e das classes em luta. Essas leis têm traços comuns. O traço comum fundamental de qualquer delas consiste em sua subordinação total à lei básica da guerra: preservar nossas próprias forças e aniquilar as do inimigo.
Mas cada fase tem seus objetivos e suas particularidades e deve conter em si mesma os elementos e requisitos indispensáveis para a passagem à fase posterior.
Assim, na luta guerrilheira no Brasil distinguem-se três fases fundamentais.
A primeira é a do planejamento e preparação da guerrilha.
A segunda é a do lançamento e sobrevivência da guerrilha.
A terceira é a do crescimento da guerrilha e sua transformação em guerra de manobras.
O tempo de duração de todas ou de cada uma dessas fases não importa, como ensina a história, pois os povos que lutam pela libertação jamais se preocupam com o tempo de duração de sua luta.
Planejamento e Preparação da Guerrilha
Um dos requisitos básicos para a primeira fase da guerrilha é a existência de um pequeno núcleo de combatentes, surgido em condições histórico-sociais determinadas. Esse requisito constitui uma regra geral. Sua única exceção é em caso de guerra regular, quando a guerrilha preenche um papel tático, e o seu surgimento se dá por variadas maneiras.
O núcleo inicial de combatentes deve ser imune ao convencionalismo dos partidos políticos de esquerda tradicional e suas lideranças oportunistas, e ter condições para enfrentar e conduzir a luta ideológica e política contra o grupo de direita oposto ao caminho armado.
A luta ideológica deve ser levada ao conhecimento do povo com enorme audácia, confiança e amplitude, tendo em vista assegurar o apoio político e revolucionário das massas.
Deve ser exposto às massas com muita clareza o objetivo político da guerrilha, ou seja, a expulsão do imperialismo dos Estado Unidos e a destruição total da ditadura e suas forças militares, para, em consequência, estabelecer-se o poder do povo.
Não se deve, entretanto, empreender a guerrilha sem um plano estratégico e tático global, com base na realidade objetiva. Tal plano é necessário para que a guerrilha não venha a ser uma iniciativa isolada, desligada dos grandes objetivos patrióticos perseguidos por nosso povo, e sem a imprescindível visão do processo de aniquilamento das forças do inimigo.
Além do plano, a guerrilha requer preparação. Uma boa preparação começa com a seleção cuidadosa dos homens, que devem advir, isto é chegar depois, particularmente, do setor de operários e camponeses.
A preparação da guerrilha exige ainda o adestramento do combatente, sobretudo para o tiro e a marcha a pé, algumas armas e munições, a exploração do terreno, noções de sobrevivência e orientação, e a organização inicial de apoio logístico, incluindo a coleta de recursos de todos os tipo.
O que caracteriza o planejamento e a preparação da guerrilha é o segredo, a vigilância e a segurança mais absoluta, a proibição rigorosa do uso de papéis e cadernetas com nomes e endereços escritos, planos e apontamentos que podem vir a cair nas mãos do inimigo.
Sem esses cuidados, a primeira fase da guerrilha não tem condições de ir adiante.
Lançamento e Sobrevivência da Guerrilha
Apesar de que o inimigo no Brasil já está prevenido e reprime violentamente as tentativas de guerrilha, a primeira fase da luta guerrilheira ainda prossegue.
Quanto à Segunda fase, está é a do lançamento e sobrevivência da guerrilha, e se destina a converter uma situação política em situação militar.
Com esta segunda fase, as tarefas políticas convencionais propostas pelos direitistas, como sejam eleições, "frente ampla", luta pacífica, etc., caem no descrédito público. Surgem métodos de luta revolucionários e de apoio à guerrilha, com a finalidade de aniquilar as forças do inimigo.
Esta mudança é muito violenta e produz um impacto em todos os setores da luta.
O "gorilas" se defrontarão com uma situação militar, que procurarão resolver segundo os métodos convencionais do militarismo profissional. Estes métodos serão confrontados com os métodos não convencionais da guerrilha. A vitória será de quem melhor o emprego fizer da lei básica da guerra. Ou de quem tenha melhores condições no meio do povo para fazê-lo. A vitória será da guerrilha.
O lançamento da guerrilha deve constituir obrigatoriamente uma surpresa para o inimigo, como decorrência de dois fatores. Um deles é que, na segunda fase da luta de guerrilhas no Brasil, a forma principal das ações de combate consiste nas ações de surpresa e na emboscada. O outro é que o método principal de condição da luta de guerrilhas nesta fase reside na ofensiva, cujo papel decisivo se revela no aniquilamento das forças do inimigo.
Em matéria de formas de ação de combate e métodos de conduzir a luta armada, a derrota da guerrilha no ato de seu lançamento é produzida pelos seguintes erros:
a) não utilizar a surpresa contra o inimigo;
b) deixar-se surpreender pelo inimigo ou cair no seu cerco tático;
c) travar combates decisivos em pontos onde o inimigo, mesmo eventualmente, tenha superioridade;
d) começar a luta nas condições do cerco estratégico do inimigo e não ter plano estratégico e tático global, não conhecer o terreno e violar grosseiramente as leis da guerra.
Na maioria desses casos estão incursas as tentativas de guerrilhas fracassadas no Brasil, incluindo Caparaó.
Fatores de que Depende a Sobrevivência
Quando a guerrilha é lançada com êxito, o problema da sua sobrevivência passa a ter prioridade e uma importância fundamental e decisiva. A sobrevivência da guerrilha depende então:
a) dos seus objetivos políticos;
b) do método de condução da luta armada;
c) da estreita relação entre a guerrilha e o povo.
Quanto aos Objetivos Políticos
Nesse particular, os princípios são os seguintes:
a) procurar despertar o povo e particularmente os camponeses com a contínua presença dos combatentes guerrilheiros e a repercussão de sua ação política e revolucionária;
b) tornar conhecido do povo o objetivo político da guerrilha (a expulsão do imperialismo dos Estados Unidos e a destruição total da ditadura e suas forças "gorilas"). A guerrilha deve contar para isso com aparelhamento e organizações revolucionárias clandestinas, além de pontos de apoio em todo país.
Quanto aos Métodos de Condução da Luta Armada
Sob tal aspecto, são estes os princípios:
a) o princípio básico da guerrilha é partir de uma situação em que temos inferioridade e o nosso inimigo superioridade, e chegar a uma situação em que temos superioridade e o nosso inimigo inferioridade. Nesse caso não só as armas decidem. O fator decisivo mesmo é o homem, que maneja as armas e captura o inimigo. Se o decisivo fossem as armas, venceriam os "gorilas";
b) subordinar todas as ações de combate à lei básica da guerra, não se deixando aniquilar e aniquilando o inimigo nas variadas oportunidades, para crescer às suas custas e preservar as forças da guerrilha;
c) a ofensiva é o melhor meio de aniquilar o inimigo, porém jamais devemos esquecer o princípio de combinar a ofensiva e a retirada;
d) toda operação estratégica deve ser bem planificada para nunca nos determos a meio caminho;
e) o objetivo de nossa estratégia não é solucionar problemas econômicos no curso da guerra de guerrilhas, e sim aniquilar o inimigo. Daí por que jamais devemos ter bases fixas, ocupar ou defender territórios;
f) devemos deixar ao inimigo a tarefa de defender suas bases fixas e territórios ameaçados de incursão, ocupá-los ou recuperá-los. Isto põe o inimigo na defensiva, enquanto a guerrilha goza de liberdade de ação e iniciativa, desde que não se deixe aniquilar e preserve suas forças;
g) os combates, ações de surpresa, emboscadas e pequenas manobras táticas têm como objetivo principal capturar armas e munições;
h) além da extrema mobilidade, rapidez e decisão nas ações de combate, a norma de conduta da guerrilha é o permanente deslocamento, favorecido pela extensão continental do país e a diversidade das condições do terreno;
i) a guerrilha deve exercer severa vigilância e exigir rigoroso cumprimento das normas de segurança.
Quanto às Relações entre a Guerrilha e o Povo
Os princípios da sobrevivência aqui são os seguintes:
a) a guerrilha deve ter uma conduta honesta e leal, não fazer injustiças e dizer a verdade. Estimar, respeitar, ajudar o povo e jamais violentar os seus interesses;
b) a guerrilha deve viver e nutrir-se no meio dos camponeses, identificando-se com eles e respeitando seus costumes e religião. Explicar-lhes a natureza de classe do inimigo, o papel da guerrilha e o seu objetivo político. Organizar entre eles o trabalho de informação e o apoio logístico da guerrilha;
c) a guerrilha deve abster-se de aplicar qualquer método de banditismo, levar a efeito qualquer ato próprio de bandido ou juntar-se a eles.
Quando a Segunda fase da guerrilha é conduzida de tal modo que os erros são corrigidos no processo da luta, a estagnação e a passividade são abolidas e a sobrevivência da guerrilha fica assegurada; estão preenchidas as condições para a passagem à terceira fase.
O Crescimento da guerrilha e sua Transformação em Guerra de Manobras
A terceira fase da guerrilha é a última da guerra revolucionária.
É a fase do crescimento da guerrilha e sua transformação em guerra de manobras, a fase decisiva de aniquilamento do inimigo.
O desenvolvimento desta fase é impossível sem uma série de condições entre as quais se destacam:
a) o crescimento político da guerrilha;
b) o crescimento de sua potência de fogo;
c) o aparecimento da retaguarda;
d) a criação do exército revolucionário;
e) a mudança na forma principal das ações de combate.
O Crescimento Político da Guerrilha
Na terceira fase, o objetivo político da guerrilha passa a ser conhecido do povo, terminando a situação em que era conhecido apenas um círculo limitado de pessoas.
O objetivo político da guerrilha transforma-se, então, no mesmo objetivo de grandes massas do povo. Decorre daí o crescimento da autoridade política do comando da guerrilha. Seu trabalho ideológico se torna mais eficiente. As palavras-de-ordem da guerrilha passam a influir nas cidades. O comando total da luta se transfere para a guerrilha.
O Crescimento da Potência de Fogo da Guerrilha
Com o sucesso das formas de ações de combate da Segunda fase, a guerrilha passa a Ter novos tipos de armas. Melhora a qualidade do armamento. Pode dispor de mais animais de transporte, chegar à motorização e a operações com aviação. Melhora o serviço de comunicações e informações e de socorro médico. Consolida-se a rádio rebelde clandestina, cuja instalação pode fazer parte da fase anterior da luta. Aumenta a experiência da guerrilha. Seu heroísmo, perseverança e capacidade combativa se reforçam.
Todos estes fatores combinados determinam o aumento da potência de fogo da guerrilha.
Quando aumenta sua potência de fogo, a guerrilha deve aplicar os dois princípios seguintes, tendo em mira o aniquilamento do inimigo:
1 – Passar de uma situação sem muita capacidade de fogo para a situação de estender a linha de fogo.
2 – Aumentar o espírito combativo da guerrilha e fazer vacilar o espírito combativo do inimigo.
O Aparecimento da Retaguarda
A característica da guerrilha em suas duas fases anteriores é operar sem retaguarda e somente com pontos de apoio. O crescimento político da guerrilha lhe dá pontos de apoio coletivos e leva à criação de uma retaguarda.
Na fase final, a guerrilha brasileira dispõe de uma retaguarda interna e de uma retaguarda externa, esta última pelas forças dos países socialistas, as forças dos países do terceiro mundo e as forças progressistas do mundo capitalista.
A retaguarda interna da guerrilha brasileira será constituída por toda a área do apoio logístico e da luta complementar da guerrilha.
A guerrilha passará, assim, de uma situação sem retaguarda para uma situação em que terá retaguarda. Isto levará o apoio logístico a um avanço jamais atingido em qualquer fase anterior e, graças ao apoio do povo, o abastecimento da guerrilha se transformará num sistema regular de abastecimento.
Dispondo de retaguarda, a guerrilha terá em suas mãos reservas estratégicas que poderá, então, manejar em larga escala.
A Criação do Exército Revolucionário
Para que seja atingido o objetivo fundamental da guerrilha, é necessário criar o exército de origem guerrilheira, exército revolucionário capaz de aniquilar as forças armadas convencionais e de conduzir as massas à tomada do poder, destruindo o aparelho burocrático-militar do atual Estado brasileiro e substituindo-o pelo povo armado.
A criação de um exército dessa natureza é um princípio geral da revolução, princípio sobre o qual Lenin insistia, ao afirmar o seguinte:
"O exército revolucionário corresponde a uma necessidade porque os grandes problemas históricos só pdoem resolver-se pela força, e a organização da força é, na luta moderna, a organização militar" (Artigo publicado no "Proletari", em 1905, sob o título "Exército Revolucionário e o Governo Revolucionário").
No mesmo artigo, Lenin acrescenta:
"O governo revolucionário é necessário para assegurar a direção política das massas do povo".
Partindo do marco zero, a guerrilha possibilita a organização da força do povo, a princípio sob a forma de um pequeno núcleo de combatentes que se lança à luta, dentro de um plano estratégico e tático global. E, em seguida, sob a forma de um exército combatente, que nada tem a ver com o convencionalismo militar.
Uma das indispensáveis tarefas da estratégia da guerrilha no Brasil, é a criação desse exército genuinamente popular, que parte do nada e, através da guerra revolucionária, chega a uma organização militar capaz de praticar a guerra de manobras, vencer o inimigo, e, em consequência, conquistar o poder para o povo.
O crescimento da guerrilha em prestígio político, potência de fogo e apoio de massas produz modificações no curso da luta, atingindo a organização militar, os métodos de conduzir a guerra, as ações de combate e o emprego das forças da guerrilha.
A guerrilha dá um salto para a frente. E passa do tipo de organização de grupos guerrilheiros para o tipo de organização de um exército revolucionário. Mas um exército revolucionário não convencional, surgido da guerrilha, com base na alianã armada de operários e camponeses, aos quais se reunirão estudantes, intelectuais e outras forças da revolução brasileira.
Destacamentos, coluna e outras formas revolucionárias de organização militar constituirão o exército do povo que libertará o país.
A Mudança da Forma Principal das Ações de Combate
Na terceira fase da guerrilha, a forma principal das ações de combate são as ações de manobras e não mais as ações de surpresa da segunda fase.
Isto significa uma mudança de qualidade na luta de guerrilhas. Trata-se agora da transformação da guerrilha em guerra de manobras. É possível agora à guerrilha concentrar forças ou deslocá-las para aniquilar o inimigo e realizar operações de cerco e aniquilamento.
O método principal de conduzir a guerra de manobras continua sendo a ofensiva. Mais do que nunca, porém, nesta fase a guerrilha deve estar atenta a dois princípios:
1. Não somente avançar, mas também admitir a retirada.
2. Não expor as forças principais da guerrilha a um golpe inimigo de relevo na condução da luta ou no desfecho da guerra revolucionária.
A sorte da guerra se decide por suas ações de manobras. O inimigo, em inferioridade de forças, é obrigado a passar para a guerra de posições ou render-se e desintegrar-se, com o aniquilamento total.
O Núcleo Operário-Camponês e o Apoio do Povo - Segredo da Vitória
Quando se desencadeou o golpe de abril de 64, no Brasil, não houve resistência. O imperialismo norte-americano e os "gorilas" nacionais se aproveitaram disso e estão massacrando o nosso povo. Se fizermos a resistência, eles tentarão aniquilá-la, para que tenha prosseguimento a exploração do Brasil. Mas a resistência deve ser feita. A resistência do povo brasileiro é a guerrilha.
A guerrilha é para defender a causa dos pobres, dos humilhados e ofendidos, dos homens e mulheres de pés descalços. É para conquistar a libertação do Brasil, expulsar o imperialismo norte-americano, aniquilar a ditadura e suas forças armadas, derrubar seu poder, e instaurar o poder do povo.
Nossa guerrilha não tem base fixa. Sua base é o povo, é o homem brasileiro. Seu principal sustentáculo é o núcleo operário-camponês, a aliança armada de operários e camponeses brasileiros, que constituem a maioria da nação.
A guerrilha brasileira não ocupará terras nem adotará a tática de autodefesa dos camponeses, para não ter que defender territórios e bases fixas e desviar-se de sua rota de ofensiva estratégica, caindo na defensiva. A defensiva é a morte.
As dívidas dos camponeses serão canceladas. Os papéis e comprovantes de suas dívidas serão queimados. Os camponeses que ocupam terras, os arrendatários, os parceiros, posseiros que lutam contra os despejos, os assalariados agrícolas que queimam canaviais, os trabalhadores rurais que fazem greve no campo, lutam por suas reivindicações e são perseguidos pela polícia e o exército, por sua atividade organizando sindicatos, ligas camponesas e associações, podem ingressar na guerrilha e, dentro dela, prosseguir na luta pela revolução agrária, pelo aniquilamento do inimigo e a tomada do poder.
A guerrilha brasileira castigará os latifundiários norte-americanos que são donos de terra no Brasil e os latifundiários brasileiros contra-revolucionários, bem como os seus capangas e os que abusam das mulheres dos camponeses.
O que a guerrilha deve fazer é convulsionar o campo, levando aí a bandeira da luta armada.
A guerrilha brasileira incursionará nos povoados, mas só em defesa dos interesses do povo e em busca de seu apoio político e logístico. Para isso, formará secretos destacamentos armados da população local e organizará o povo sob formas revolucionárias.
A guerrilha brasileira será dotada de um espírito político avançado e progressista, guiando-se pelos princípios do marxismo leninismo, com o que conquistará o apoio do povo. O apoio da população deve existir para excluir a possibilidade de filtração de informação da guerrilha ao campo inimigo. A tarefa de eliminar os delatores será confiada ao povo.
A causa do inimigo é injusta. E ele sabe disso, pois tem consciência de que é um explorador. Ao ver-se acuado no campo pela guerrilha, o inimigo tornar-se-á mais cruel. Essa crueldade nos dará o apoio de milhões de pessoas. A guerrilha será o oposto da crueldade, dará um tratamento humano aos prisioneiros, os respeitará e socorrerá os feridos.
No seio do inimigo há muitos militares que individualmente apóiam o povo. Esses militares, no momento oportuno, devem desertar com suas armas e apetrechos e ingressar na guerrilha.
O fator decisivo da vitória da guerrilha está no apoio do povo, na confiança cega e absoluta nas massas. A guerrilha deve fazer a mobilização política do povo, uma ardente agitação no meio dele. Nos ombros de milhões de mulheres e homens do povo, particularmente entre a juventude, devem ser colocadas as tarefas de responsabilidade: coletar fundos, conseguir armas, munições, remédios, recursos de toda natureza, enviar combatentes e voluntários à guerrilha.
Para vencer é preciso unidade. O povo deve unir-se pela base, em suas organizações, e com isto chegar à unidade das forças populares e revolucionárias e jamais permitir o engodo das frentes burguesas do tipo "frente ampla".
O segredo da vitória é o povo.
Havana, Outubro de 1967.
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