Paramilitares mandam e desmandam em cidades da costa pacífica, cobrando taxas a quem quiser comercializar de bananas a ovos e frango
Virou privilégio comer um Patacón Pisao, um bolinho típico colombiano feito com bananas da terra, na cidade de Boaventura, ou em qualquer uma das praias do Pacífico do Vale de Cauca, no leste da Colômbia.Nas praias de Juanchaco ou de Ladrilleros – que hoje estão lotadas de turistas por conta da visita das baleias –, esse quitute é praticamente impossível de encontrar.
Quando um turista insiste, os proprietários dos hotéis e restaurantes oferecem outro tipo de banana, uma espécie costeira que no interior é chamada de popocho e que não é consumida nesta região.
A razão para a escassez desse produto de primeira necessidade para os moradores é o preço. Nos mercados e nas lojas de Boaventura, a banana da terra, ou plátano, está muito cara. E os que causaram tal aumento de preço são os integrantes do chamado “cartel do plátano”.
As sobretaxas
Cada vez que um caminhão de alimentos chega a Boaventura, um grupo de homens armados faz o controle da entrada.Não se trata apenas do plátano, mas eles restringem também a entrada de leite, ovos, queijo, frango, e, às vezes, carne.
Nem todos os produtos entram no porto, e nem todos os comerciantes têm acesso às mercadorias que chegam. Os “selecionados” têm que pagar um imposto ilegal para receber os produtos.
Pior: depois que as mercadorias passam pelo primeiro estabelecimento, chegam aos mercados, ou às lojas de bairros, onde os vendedores têm que pagar uma segunda sobretaxa. Os donos dos negócios pagam para poder vender e para ter a “segurança” que os membros do cartel “oferecem”.
Para escapar dos impostos e também das sobretaxas dos grupos criminosos, alguns caminhoneiros preferem evitar ir até o porto, e vendem seus produtos antes de entrar na area urbana, a preços mais baixos.
Um distribuidor varejista contatado pelo Silla Vacía, parceiro da Pública, usa uma forma ainda mais rudimentar de fugir da cobrança. Cada vez que chega um pedido de plátano, ele os divide em pequenos pacotes, que envolve em trapos e toalhas brancas, camuflando-os junto com o resto da mercadoria como se fossem pacotes de farinha.
É a única forma que ele achou para que o plátano chegue aos mercados com um preço acessível.
Só que esse tipo de subterfúgio é feito às escondidas, ou então os comerciantes poderiam receber algum tipo de retaliação ou até serem assassinados.
O Silla Vacía visitou quatro mercados na cidade de Biaventura: Bellavista, Juan XIII, Matía Mulumba e Pueblo Nuevo. Em nenhum deles encontrou um preço bom de plátano. No principal, de Pueblo Nuevo, apenas dois vendedores tinham plátano da região chamada Eje Cafetero (na região norte da Colômbia). E o que havia era pouco e de má qualidade.
“Aqui nesta região, que supostamente é a região natural do plátano não podemos nem sentir o cheiro”, diz o dono de um restaurante em La Bocarra, resignado a comer apenas a espécie costeira não tradicional.
O que o povo comenta é que só pode comercializar essa banana por ordem de “Los Urbaneños”, um bando de criminosos que chegou há alguns meses, vindo do norte do país.
A presença dos “Urbaneños” na região confirma um relatório da Procuradoria de Justiça, que alertou as autoridades colombianas sobre a entrada do bando para disputar as rotas de tráfico de drogas com o grupo paramilitar Rastrojos.
Aparentemente, o grupo surgiu pelas mãos do narcotraficante Victor Patiño Fómeque, que foi libertado há pouco tempo da prisão nos EUA, quando foi extraditado em dezembro de 2002.
Já está livre e, segundo informações oficiais, voltou ao Valle Del Cauca para recuperar as rotas de tráfico no Pacífico.
No entanto, a informação não foi confirmada oficialmente. Mas o que La Silla Vacía apurou é que os paramilitares que antes viviam do dinheiro do narcotráfico estão vivendo dos “impostos” que impõem aos alimentos.
Regime de terror
Um investigador da Defensoria em Boaventura contou à SillaVacía que a cobrança de sobretaxas nos alimentos da cesta familiar não é uma novidade no porto e, por isso, as pessoas a veem como algo natural, ainda que não assumam em voz alta.
A cobrança desse imposto aos vendedores atacadistas e varejistas foi uma forma de financiamento e controle que o grupo armado Bloque Pacífico utilizou em sua autodefesa a partir de 2003 até ser desmobilizado em 2005. Desta forma, os paramilitares não só se financiavam mas também mantinham controle sobre quem entrava no porto.
Jamais houve nenhuma denúncia ou investigação oficial, embora o tema sempre tenha constado nos relatórios de risco feitos pelas autoridades. Hoje em dia a situação não é muito diferente. Afinal, as vítimas não denúnciam as extorsões.
Entretanto, há menos de dois meses os comerciantes de Boaventura enviaram uma carta ao presidente colombiano, Juan Manuel Santos, expressando preocupação pela deterioração da ordem pública e pedindo ações para que em “nosso território não volte a reinar o regime do terror”.
Apenas em junho, a pequena Boaventura testemunhou cinco atentados com explosivos na zona urbana, duas perseguições contra a força policial na zona rural e dois caminhões que foram tombados e queimados em uma via pública que liga a cidade ao resto do país.
Em julho, registraram-se 31 homícidios em Boaventura. Embora expressivo, esse número era ainda maior há dez anos – o que serve de argumento para qua autoridades afrouxem o nível de segurança. Porém, enquanto baixaram os índices de homicídio, aumentaram os desaparecidos e as ameaças a líderes sociais.
Investigadores da Promotoria acreditam que houve uma reorganização dos grupos armados depois da desmobilização paramilitar promovida pelo governo de Álvaro Uribe – e que em Boaventura foi incompleta permitindo que muitos homens vulneráveis voltassem às fileiras armadas. Foram os militares que rearmaram os bandos criminosos e também às FARC.
Além de “Los Urbaneños”, os informes de segurança também apontam o grupo de criminosos “Los Rastrojos” que controlam muitas rotas de narcotráfico, mas que não têm presença física no porto.
Pelos bairros circulou há menos de um mês um panfleto assinado pelo grupo chamado “Águias Negras”, no qual ameaçavam de morte um grupo de pessoas. Às FARC também voltaram a entrar na área urbana o que gerou novos enfrentamentos nos bairros.
A Defensoria documentou quatro conflitos nas duas últimas semanas, e relatos dizem que foi a guerrilha é que entrou no bairro. Na última reunião do Comitê de Direitos Humanos a polícia disse se tratar de redes narcotraficantes que apoiam as guerrilhas.
No vilarejo há ainda o rumor de que em 4 de agosto deste ano, depois do último enfrentamento, a guerrilha e os paramilitares fizeram um pacto de cavalheiros: nenhuma agressão por parte de ambos até que passem as eleições. Em outubro, os colombianos irão eleger prefeitos, governadores, deputados estaduais e vereadores.
De fato, desde o dia 4 não se tem registrados homicídios; isso faz com que o rumor tenha mais credibilidade. Segundo os locais, as autoridades reforçam a tese de que não há com que se preocupar.
Políticos também pagam
A Missão de Observação Eleitoral alertou sobre a difícil situação da ordem pública na região de Bajamar, no Valle Del Cauca, originada pela presença de vários atores armados na região.
Ali estão presentes às FARC, que estão tentando recuperar o território; os paramilitares que retomaram as armas; os narcotraficantes que controlam as rotas de tráfico; e os bandos criminosos que também participam do negócio das drogas.
Apesar da situação dramática, os políticos que estão fazendo campanha para as eleições de outubro em Boaventura não falam de segurança em seus discursos. Em um debate que se realizou há algumas semanas em uma emissora local, nenhum candidato aceitou responder as inquietudes que os jornalistas tinham sobre segurança pública.
Responderam que esse tema corresponde ao governo nacional e não ao local, já que desde 2006 funciona na região um Comando Especial da Polícia que se comunica diretamente com o general Óscar Naranjo, comandante da polícia nacional. É frequente também as autoridades negarem que a região esteja sob o controle de grupos ilegais.
No entanto, há denúncias de que em alguns bairros de Boaventura os candidatos têm que pedir permissão aos paramilitares para fazer campanha. Em alguns setores fazer campanha tornou-se caro porque eles também têm que pagar sobretaxas para poder entrar.
No dia 6 de agosto, o ministro da Defesa Rodrigo Rivera esteve no Valle, na cidade de Ronaldillo, e ouviu todas essas queixas durante uma reunião. Agora, só resta aos habitantes e comerciantes esperar que sejam ouvidos – e que algo seja feito.
Tradução de Rodrigo Aron. Clique aqui para ler a reportagem original, em espanhol.
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