26.1.12

Brasil e Cuba: Em diplomacia não cabe demagogia


por Hélio Doyle via Brasil 247



UMA MENTIRA E UM FACTÓIDE SÃO USADOS PARA PRESSIONAR DILMA A VIOLAR PRINCÍPIOS BÁSICOS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A viagem da presidente Dilma Rousseff a Cuba, ainda este mês, tem levado algumas pessoas a deixar de lado, por razões ideológicas ou desinformação, dois princípios elementares das relações internacionais: o respeito à soberania das nações e a não interferência em assuntos internos de outros países. Desconhecendo ou fingindo desconhecer esses princípios básicos da diplomacia e das relações exteriores, querem colocar na agenda pública que a presidente terá em Havana, a todo custo, temas específicos ligados aos direitos humanos.


Uma mentira e um factóide têm servido como fundamentos recentes para essa posição. A mentira é que um oposicionista cubano preso por motivos políticos morreu em greve de fome. Na verdade estava preso por agressão à mulher e aos policiais chamados por sua sogra. E não fez nenhuma greve de fome. Já o factóide foi criado por uma blogueira que se opõe ao governo cubano e viu uma boa oportunidade de causar um problema político e diplomático para o Brasil e para Cuba às vésperas da visita de Dilma.
O Brasil não deve ignorar violações aos direitos humanos em Cuba e em qualquer país do mundo e fingir que nada acontece. Mas as conversas com autoridades de outros países, em qualquer nível, não podem ser públicas, apenas para render matérias na imprensa e agradar aos que fazem oposição aqui ou lá. Além de isso violar princípios diplomáticos, nada rende em termos práticos. Conversas privadas e reservadas, sem alarde, dão muito mais resultados do que as declarações midiáticas e espetaculosas que têm sido sugeridas a Dilma por pessoas que, apesar dos títulos que algumas ostentam, mostram que nada entendem de política externa e não buscam resultados, mas apenas barulho. Estrangeiros que foram presos no Irã já transmitiram ao governo brasileiro seus agradecimentos pelas gestões que possibilitaram sua libertação. O mesmo resultado não teria sido obtido com declarações públicas de condenação ao governo iraniano, como alguns querem.
As questões referentes aos direitos humanos devem ser levadas aos fóruns multilaterais, da ONU e de outras organizações internacionais. Há situações que têm mesmo de ser condenadas e a chamada comunidade internacional pode exercer um papel importante para impedir as constantes violações de direitos humanos em vários países. Mas como as violações ocorrem em quase todo o mundo, inclusive – e em alta escala – nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos, muitas vezes as condenações e as absolvições têm viés político e ideológico. Os amigos são absolvidos, os inimigos são condenados. E Estados Unidos e Israel, dois contumazes violadores de direitos humanos, desconhecem arrogantemente qualquer resolução internacional que os condene.
Além disso, a ingerência que tem sido proposta no Brasil é seletiva. Vale apenas para países cujos governos não agradam aos Estados Unidos. Os mesmos que exigem essa postura de Dilma não pedem para que ela discuta com o presidente Barack Obama, por exemplo, as reiteradas violações aos direitos humanos e torturas na base de Guantánamo, ou as execuções de prisioneiros e mortes por greve de fome nos Estados Unidos. Poderiam propor que o Brasil manifeste ao governo dos Estados Unidos o desagrado pela condenação a apenas 90 dias de prisão de um sargento acusado de ordenar o assassinato de 24 civis no Iraque, entre os quais mulheres e crianças. Ou protestar contra a repressão violenta a manifestações populares em países europeus e no Chile. Os intervencionistas também não defendem que Dilma discuta com Obama, sob as luzes de refletores, a prisão de cinco cubanos, nos Estados Unidos, sob as falsas acusações de espionagem e responsabilidade na derrubada de aviões de exilados que sobrevoavam reiteradamente o território cubano.
Dilma está certa em não tratar desses temas publicamente, nem com Raúl nem com Obama ou qualquer outro governante. Deve respeitar a soberania das nações e não interferir em assuntos internos. A diplomacia também se faz com gestos sutis, sem ofensas desnecessárias. Aos que defendem o intervencionismo falta autenticidade e sobra hipocrisia. Direitos humanos são apenas pretextos para eles. O que querem mesmo é reforçar uma posição política e ideológica bem definida.
Já se esperava que Dilma sofresse pressões desse tipo antes de ir a Cuba. Aos oposicionistas brasileiros interessa desgastá-la. Aos oposicionistas cubanos – e aos Estados Unidos, que os financiam abertamente -- interessa isolar o governo de Raúl Castro e impedir que o Brasil fortaleça suas relações econômicas com Cuba. Assim, era natural que surgissem fatos e factóides para alimentar o noticiário em órgãos de imprensa que comungam as mesmas ideias e assim dar respaldo aos oposicionistas dos dois países.
A primeira ação para tentar atrapalhar a visita de Dilma a Havana veio da blogueira cubana Yoani Sánchez. Ela postou na web a gravação de um apelo para que a presidente interceda a seu favor para que obtenha visto de saída do governo cubano e possa vir ao Brasil. Se Yoani quisesse mesmo vir, e não criar um fato político para prejudicar a visita de Dilma e as relações entre Brasil e Cuba, teria feito o pedido formal e discretamente. Deixaria para fazer sua propaganda política quando estivesse aqui. Mas apenas no dia 20, depois de cobrada pela imprensa, é que ela entregou uma carta formal à embaixada do Brasil em Havana.
Yoani teve a indelicadeza de enviar uma mensagem pública a Dilma, antes de formalizá-la, para obter repercussão. Há alguns meses, ela inventou que havia sido sequestrada por policiais em Havana e havia sido agredida. O fato não ocorreu e ela nunca mostrou uma só marca das agressões, como prometeu que faria. Agora quer comparar sua situação à que Dilma enfrentou nos tempos da ditadura. Só que Yoani não é obrigada a viver na clandestinidade, nunca foi presa e torturada e não teve companheiros assassinados. O que o governo cubano lhe deve é um visto de saída, ou uma justificativa coerente para negá-lo.
Depois veio o caso de Willam Villar, apresentado como preso político que morreu em decorrência de uma greve de fome. Villar foi preso quando sua sogra chamou a polícia porque ele estava agredindo a mulher. Resistiu à prisão e atacou os policiais. Quando respondia ao processo em liberdade, foi cooptado por um grupo oposicionista que lhe convenceu de que assim seria considerado preso político, e não comum, podendo ser libertado por gestões da Igreja e de outros países, como tantos que agora estão nos Estados Unidos e na Espanha. Condenado a quatro anos de prisão pelas agressões à mulher e aos policiais e pela resistência à prisão, teve um problema respiratório grave e morreu alguns dias depois, no hospital. Nunca fez greve de fome. Sua atividade política e a greve foram inventadas pela oposição para provocar repercussão – e prejudicar as visitas de Dilma e, em fevereiro, a do papa.
A imprensa brasileira acreditou logo na primeira versão que recebeu sobre a morte de Villar e agora não quer voltar atrás e reconhecer a “barriga”. Insiste na versão falsa, e nisso é acompanhada até por professores universitários entrevistados por emissoras de televisão. Às favas com os fatos, para eles é mais conveniente assim

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