A vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, Victória Grabois, fez um emocionado pronunciamento no primeiro dia do 5º Encontro Latino-americano Memória, Verdade e Justiça, que começou nesta sexta-feira (30) e ocorre até domingo em Porto Alegre. Victória é filha de Maurício Grabois, fundador do PCdoB e comandante da Guerrilha do Araguaia. Além do pai, ela perdeu o irmão, André Grabois, e o marido, Gilberto Olímpio, para a ditadura militar brasileira.
Victória participou do processo protocolado por 22 familiares de mortos e desaparecidos políticos em 1982 que buscavam os corpos dos guerrilheiros do Araguaia. Após 16 recursos protocolados pelo governo federal – sendo que os últimos, em 2003, partiram do ex-presidente Lula (PT) -, a juíza Solange Salgado proferiu uma sentença favorável aos autores da ação.
Paralelamente a isso, em 1995, os familiares resolveram ingressar com uma demanda na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em 2009 o órgão repassa o caso para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), tribunal vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA) que, em dezembro de 2010, condenou o Estado brasileiro por não ter localizado os corpos dos guerrilheiros do Araguaia. Entre outras determinações, a sentença da CIDH obriga o Brasil a se desfazer de obstáculos jurídicos que impedem a responsabilização penal dos agentes que cometeram crimes de lesa humanidade durante a ditadura, como a Lei da Anistia.
Em seu desabafo, Victória Grabois reclamou que as pessoas que antes apoiavam os familiares de mortos e desaparecidos políticos, aglutinadas nos antigos comitês pela anistia, hoje ocupam os espaços institucionais da política e não se interessam por essas reivindicações. “Com a redemocratização, a maioria dos nossos companheiros foi para os partidos políticos, se tornou parlamentar e nos abandonou. Ficamos sem chão”, recorda.
Ela critica o Palácio do Planalto por, até agora, ainda não ter indicado os integrantes da Comissão da Verdade e não ter cumprido todas as determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Queremos que nossos familiares possam ter uma sepultura digna. Como cidadã brasileira, tenho o direito de enterrar os meus familiares”, desabafou Victória.
Ela contou que uma das mães de um guerrilheiro desaparecido, hoje já falecida, ainda mantinha viva a esperança de que o filho retornaria. “Ela colocava o prato do filho todos os dias na mesa de jantar. Vocês não podem imaginar o sofrimento de uma família que nunca recebeu os restos mortais do seu filho”, emociona-se.
Victória Grabois ressaltou que só conseguirá perdoar o Estado no dia que souber o paradeiro dos corpos dos seus parentes desaparecidos. “O perdão só virá quando entregarem os restos de todos os 70 guerrilheiros do Araguaia. Queremos Justiça”, conclamou.
Vítima das ditaduras uruguaia e argentina foi reconhecida pelo atual governo do Uruguai
Diferentemente do Brasil, o governo uruguaio vem cumprindo uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que o condenou a reconhecer a responsabilidade do Estado no sequestro e desaparecimento dos pais de Macarena Gelman. Na semana passada o presidente José Mujica, ao lado do presidente da Suprema Corte de Justiça e dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronátucia, organizou um ato público onde reconheceu a participação do Uruguai no sequestro e no desaparecimento de María Claudia de Gelman, sequestrada em setembro de 1976 na Argentina.
María Claudia estava grávida de sete meses e foi levada para o macabro centro de tortura da Operação Condor em Buenos Aires, a oficina mecânica conhecida como Automotores Orletti. De lá, foi trasladada a Montevidéu, onde foi vista pela última vez, ainda em 1976. Sua filha, Macarena Gelman, recém-nascida, foi entregue a um ex-policial uruguaio.
Somente em 2000, aos 23 anos de idade, Macarena descobriu sua verdadeira identidade, graças a uma investigação particular contratada pelo seu avô materno. Juntos, eles ingressaram com uma ação penal na Justiça uruguaia contra os agentes do Estado que sequestraram e desapareceram María Claudia de Gelman e suprimiram a identidade de Macarena. Devido a lei de anistia uruguaia, o processo encalhou nos tribunais e eles resolveram provocar a Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2006.
Presente no 5º Encontro Latino-americano Memória, Verdade e Justiça, Macarena Gelman disse que se sentiu “aliviada” com o cumprimento da sentença por parte do governo uruguaio, mas ressaltou que ainda há muito o que fazer. “A sentença contém reivindicações históricas da sociedade civil e de todos que foram afetados pela ditadura. Foi um ponto de partida para continuarmos avançando na reconstituição da verdade com Justiça e memória”, observou.
Para ela, é impossível conquistar apenas um desses três aspectos. “Não é possível ter verdade sem Justiça ou Justiça sem verdade. Quem acredita que podemos fazer de outra maneira está se enganando”, entende.
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